19 de setembro de 2013

CALIFÓRNIA - Our Moment in time



Em um fim de semana qualquer, participando de um seminário sobre mandalas, me apresentaram a oportunidade de participar de um retiro Budista. Acho que foi a certeza do mestre Arnaud Maitland, de que a resposta, sim ou não, já estava dentro de mim, que me fez dizer sim. O tema era “Nosso momento no tempo”, mas somente meses depois me dei conta que eu estava exatamente neste momento, o MEU momento, conforme já escrevi anteriormente sobre meu sabático

Eu não tinha ideia do que seria esta experiência, mas na minha imaginação eu ficaria muito tranquila  deitada em um terraço, leria muitos livros e participaria de algumas praticas e seminários. 

Enganei-me por completo! Não parei um minuto, não li uma linha, mas foi 10 mil vezes melhor do que na minha imaginação. 

Embora com base nos ensinamentos budistas, não há nenhuma prática ou ensinamento que contrarie qualquer outra religião. Todo o aprendizado vem da experiência de cada um, nada é imposto como verdade, pelo contrário, a base do budismo é a observação e o questionamento. 

Daí já vem o primeiro ponto positivo, em um lugar assim, só vai gente aberta ao pensar e experimentar, gente que questiona, erra e acerta, enfim gente interessante e divertida. Dei muuuuuuuiiita risada, além de aprender muito sobre mim, sobre a vida e até sobre a morte. 


Comecei conhecendo a Andrezza, colega de vista de budismo, dividimos o quarto em San Francisco nos 3 dias que antecederam o retiro. Foi daqueles encontros no escuro que dão certo! Muito divertida, carinhosa, criativa e inteligente nos identificamos no primeiro jantar. Depois, atravessamos de San Francisco a Tiburon de bike e participamos ativamente da campanha pela liberação do cabelo de Feliciano (o da Cura Gay) durante a parada do orgulho gay. Destaque para este evento que foi uma dose cavalar de coexistência, respeito, amor ao próximo e aceitação que invadiu toda a cidade. Melhor que ser diferente é ser você mesmo e todo mundo ser igual. Tinha gente fantasiada de tudo, e de si mesmo, gente pelada, meio pelada, gente sendo expondo e sendo aceita. Ficamos apaixonadas pelo ser humano e todos os seres neste dia, tipo amor universal! 

Depois de 3 dias juntas já éramos amigas de infância... 



nosso destino Golden Gate Bridge




Tiburon na fila do ferry na volta

Gay Pride 


Love is in the air






LOVE WON

Dia seguinte, rumo ao retiro!  


Acosta de Sonoma é maravilhosa!

Em Ratna Ling, fomos recebidas entusiasticamente pelos jovens voluntários, de toda parte do mundo, que operam esta instituição, incluindo um casal de brasileiros, que é um capítulo a parte. No começo ficamos meio na retaguarda com toda aquela alegria e com tanta gente desconhecida e diferente do que estamos acostumadas. Este sentimento passou rapidamente e já lembramos como as aparências enganam. 

O lugar é lindo, várias cabanas 5 estrelas, no meio de uma floresta de pinheiros, lagos e símbolos budistas coloridos e dourados. 

Eu dividi a cabana com a Eleonora, carioca, com juventude nos anos 70, rebelde de nascença, teatral, muito falante e espontânea, só podia resultar em diversão. Adorei conhecê-la e aprender com ela, mestra budista há 30 anos. 


No nosso super chalé!

Logo fomos apresentados à programação, intensa, que nos esperava nos próximos 15 dias, das 07:00 às 21:00, sem parar e ao “modus operandi” do local. Não há funcionários, só voluntários e nós, todos participam de todas as tarefas, como lavar pratos e cuidar dos chalés. Afinal, não teria sentido algum, ter naquele lugar, pessoas que não estivessem na mesma sintonia, apenas para servir a outros. 

A programação era a seguinte: 

07:00 às 08:15 - Kun Nye dancing, um tipo de yoga onde os movimentos estão conectados aos sentimentos a serem escavados dentro de nós a cada mili-segundo. Uma técnica para juntar corpo e mente. 

“Quando a energia da alma se expressa através do corpo, se torna arte. Revela nossas qualidades interiores, nossos distintos sabores e nossas almas. Tornamos-nos seres com alegria; a expressão da alegria é a dança” Tartang Tulku 

Eu, um dia bailarina, amei essa pratica. Foi como dar um sentido a dança, ou como usar a dança, uma coisa muito prazerosa para mim, para meu bem estar. Uma dança construída para expressão de sentimentos. A dança de Pina Baush é isso, mas nem todos são Pina e o Kun Nye estrutura o movimento para que qualquer um consiga se expressar, aprender através do corpo. Foi uma grande descoberta para mim. Agradeço a Els Gielens e Andis Egle, nossos mestres. 

Antes do café, canto de mantras. Se antes não gostava de ficar repetindo palavras que não entendo, agora adoro. No fim do canto a alma está leve.



08:15 às 10:00 – café da manha, delicioso, tudo feito lá pela equipe de voluntários da cozinha... ainda bem. 
10:00 – 11:15 – aula 1 e reflexões relacionadas ao Kun Nye dancing 
11:30 – 12:30 – aula 2, a essa altura do dia, sua percepção já está em alta, sua energia flui, seus sentimentos fluem, você já está totalmente aberto para se ouvir e se entender. 
12:30 – 13:30 – almoço e limpeza (haviam varias equipes então cada um faz no máximo um turno por dia) 
14:00 – 16:00 – trabalho em atividades diversas, como ajudar na produção de livros para preservar a cultura Tibetana, cuidar da horta, costurar e outros. 
Eu trabalhei na gráfica, encaixotando e pintando livros, atividades que exigiram um razoável esforço físico, e muita atenção para maximizar a produção. 



Chefiada pelo Franco, um argentino de 19 anos, comecei na equipe de encaixotamento de livros. Ele montou a linha de produção, distribuiu as tarefas e depois foram 2 horas de trabalho intenso para completar 2 pallets de livros encaixotados sem erros. Todos trabalharam ligados no processo completo preenchendo brechas, ligados em todas as etapas do processo, sem se restringir a própria tarefa, o objetivo era a produção final. Amei essa energia conjunta para um único objetivo. Queria trabalhar sempre assim. Saía de lá feliz e realizada todo dia, 15 minutos depois já estava sentada em uma sala para mais ensinamentos. 

16:30 – 18:00 – aula 3 
18:00 -19:30 – jantar e limpeza 
20:00 – 21:00 – aula 4 , finalizando com canto de mantra.  


classe de aula - sala de meditação

Nosso super mestre, responsável pela condução de todo este processo foi Arnaud Maitland. Ele começou a trabalhar e aprender o com o Lama Tibetano Nyingma Tarthang Tulku em 1975 e além de muito conhecimento adquiriu uma incrível capacidade de transmiti-los. Coisas complexas e abstratas tornam-se muito fáceis e claras com sua ajuda. Serei sempre grata a ele, o que recebi nestes dias estará para sempre em mim.

Enfim, essa programação deixou pouco tempo para facebook, email, conexão com o mundo real e até mesmo para papo furado entre os participantes. Fiquei absolutamente focada nas experiências e sentimentos que estava vivenciando lá. Não só os meus, como os dos que me cercavam, pois o compartilhamento ocupava uma grande parte das aulas. Percebi como as pessoas são diferentes e iguais por dentro e isso também me ajudou a enxergar a mim mesma. Não vi ninguém que saiu de lá sem algo novo e bom para sua vida. 

Fiquei feliz e entusiasmada de ver muitos jovens procurando um caminho que faça sentido, antes de trilhar qualquer caminho, sem saber se é o seu. A maioria deles estava terminou a faculdade, mas ainda não sabe para onde ir, outros já experimentaram algo que não convenceu, foi o caso do casal de brasileiros. 

Marcos e Marília, ela engenheira ambiental, ele agrônomo, entraram no mercado de trabalho, se desapontaram com a realidade e foram procurar algo que realmente fizesse sentido. Começaram pedalando da Tailândia a Espanha, entre outras coisas, para entrar em contato com o budismo. Agora estão se aprofundando nos ensinamentos e praticas em Odiyan. Veja tudo em 2bikesandtheworld

Comecei me apaixonando pelo projeto deles e depois por eles! Era comovente ver em seus olhos, quando perguntavam algo ao Arnaud, a vontade de realmente entender o mundo e ao ser humano, sem contar o que eles são carinhosos e atenciosos.  

Eu e Marília

Marcos e Franco, esperando o mestre

O trabalho realizado nesse retiro ou nesse voluntariado não vai ensinar ou mostrar o caminho, mas pelo menos vai dar o GPS (seu coração) e ensinar a usá-lo. Vai ensinar a perceber quando você dormiu na estrada, perdeu o rumo e precisa achar um novo caminho. 

Tive a privilégio e a sorte de conhecer pessoalmente o Lama Tartang Tulkuresponsável por tudo isso. Um dos primeiros mestres tibetanos exilados a fixar residência no Ocidente, vive continuamente na América há mais de 40 anos. Com o total apoio e bênçãos de Dudjom Rinpoche e Dilgo Khyentse Rinpoche, Tarthang Tulku criou mais de vinte diferentes organizações que tiveram um impacto significativo sobre a transmissão do Dharma para o Ocidente e a restauração da Dharma na Ásia. Ele esteve conosco no 4 de julho para agradecer aos EUA a oportunidade de perpetuar sua cultura. Almoçamos com ele e participamos de uma sessão na sala de meditação, conduzida por ele, que comoveu a todos. No dia seguinte foi visitar nosso trabalho na gráfica, falou com cada equipe e demonstrou sua gratidão, a nós, pela doação de tempo e energia para preservar a sua cultura. Eu também chorei. 








Embora tenham sido dias duros, emocional e fisicamente, também foram relaxantes e gratificantes. Estive 15 dias cercada de gente com as mesmas preocupações e objetivos, falando línguas diferentes, mas se entendendo muito mais profundamente que o usual. Em um mês conheci mais gente e mais profundamente do que nos últimos 10 anos, faz a gente pensar...



Rita, Monica e Andrezza

A Rita é minha mestra em São Paulo, sábia e revolucionária, me acolheu desde o primeiro dia de ensinamento. Ela é presidente do Instituto Nyingma de São Paulo


pelo caminho


paulistas e cariocas


pessoas que entraram na minha para nunca mais sair!

O trabalho desenvolvido ao longo destes dias serviu para aumentar a percepção, olhar as coisas por outros e muitos ângulos, estar sempre aberto a rever e aprender, sentir ao invés de pensar, entender o que o corpo nos diz, aumentar a clareza, enxergar os sinais para encontrar o caminho certo e outras coisas que só indo lá para saber.

Usamos o Kun Nye para fazer a energia fluir no corpo, para juntar corpo e mente, trazer a tona os sabores da vida, para aprender a ouvir o corpo e aprender com a experiência, sempre com a experiência, nada imposto. 

Meditamos pois na quietude encontramos as respostas, a urgência se relaxa, a dinâmica habitual se altera, sua verdadeira natureza aparece. A missão do ser humano é expressar sua verdadeira natureza. 

Aprendi que os pensamentos não são confiáveis, que aquele bla bla bla na nossa mente, o tempo todo, só atrapalha e não leva a lugar algum. A prova é que mudam de um minuto para o outro, só é confiável o que não muda e o que não muda é nossa natureza. Estou aprendendo a não dar atenção a eles e enxergar mais fundo. 

Lemos e discutimos sobre coisas que outros descobriram e passaram a frente. Fomos questionados em tudo, aprendemos a questionar o tempo todo, há sempre uma resposta mais verdadeira mais no fundo. Aprendemos a escavar, escavar, escavar, para chegar mais perto da verdadeira resposta. 

Aprendi que devoção não é se entregar cegamente a algo ou alguém, mas estar aberto a aprender, atento e engajado com todas suas forças. 

Aprendi que planejar o futuro é diferente de criar condições para desenvolver meu potencial. Que é muito importante fazer, começar e não ficar só nos planos eu já sabia e já tenho por hábito, mas aprendi que há que se apreciar as realizações, se não há apreciação é sinal que o caminho está errado. Que sempre tem que haver alegria no que se faz. 

Ganhei um GPS para a vida, que são as 4 perguntas: 
O que vc ama? 
O que te traz alegria? 
O que te importa? 
O que é importante para você? 

Com o "GPS", o coração aberto e a mente no corpo vai ser mais fácil descobrir o caminho e fazer escolhas. 

Ao final, quando a mente e o corpo já tinham sido amplamente revirados e explorados, a energia fluía e o bla bla bla da mente estava mais distante, pudemos parar e responder, não com a primeira resposta que vem na cabeça, essa seria a resposta padrão, fruto de nosso condicionamento, mas com a resposta que vem da alma, que está mais no fundo, na qual a gente pode realmente CONFIAR: 

Em que você realmente acredita? 
Qual mensagem você daria para sua família e amigos sobre seu futuro? 
O que você realmente quer? 
Qual a coisa mais importante que você tem por fazer? 

A mensagem final: 
Cada vez que atuamos com carinho e coragem, fortalecemos nossa verdadeira natureza, nossa alma, nossa semente.

Em uma caminhada de fim de tarde pelas redondezas




Nas únicas 4 horas de folga, fomos caminhando por entre bosques até a praia! Eu, Andrezza e Sergio.

Nosso habitat






cozinha comunitária, comida vegan

granola muito boa

o chef de cozinha

A Estupa é a representação arquitetônica do caminho para a mente iluminada. No seu interior encontram-se relíquias sagradas, oferendas, mantras e muitos outros itens que geram uma enorme quantidade de bênçãos.
As bandeiras da oração colocam ao vento as palavras do Buda e as bençãos aos que as colocaram ou que cujos nomes foram lá escritos.

When the bell is rung at holy places, the sound transmits the blessings inherent in this essential message. I hope that each pilgrim takes a moment to ring the bell and receive these blessings. May each and every one awaken from the ignorance of not knowing why we are here on this earth..." Tarthang Tulku Rinpoche

O sino, o forno e a estupa. Neste lugar participamos de uma cerimônia conduzida pelo Riponche, para distribuir bençãos.


em umas das tardes que estivemos por lá, recebendo bençãos e sabedoria da Rita 

eu e o Brian, colocando o nome dos nossos amores para as bençãos

Sérgio, em seu estilo "sou brasileiro"



preparando para o mantra da noite

as bençãos para vocês agora ao vento
Em breve o segundo capitulo deste sabático. Berkeley - Trabalho voluntário!